Das discussões do grupo de terça
(“Cinema e Psicanálise”) pude pensar que se o ser humano se
constrói a cada momento, o seu psiquismo acompanha esse movimento,
se construindo no processo. Nesse sentido, a realidade psíquica
poderia ser resignificada pelas experiências da vida, se assim
permitíssemos. Pensando nessa “permissão”, assisti ao filme do
diretor alemão Tom Tykwer (com título original Drei – Três –
no Brasil divulgado como “Triangulo Amoroso”). No filme três
pessoas constroem uma possibilidade única de viver seus afetos,
compondo um quadro de rara beleza.
“Adam” é o topo do triângulo. Na posição de amante, sedutor, distribui afeto, reconhece sutilezas nas pessoas e consegue delas coisas que ninguém mais conseguiria. Cuida de si. Pratica judô, natação, futebol; canta em um coral; desenvolve pesquisa científica, cria vidas. Possui amigos, entre eles uma ex-esposa, um filho e um barco. Vive envolto em tons sóbrios, com poucos adornos – coisa de quem tem dentro de si uma palheta de cores. “Não se preocupe demais” – diz ele a alguém que tenta se entender, se explicar. Coisas o completavam, mas algo lhe falta. Há sempre a falta.
“Hanna” e “Simon” são os
dois outros vértices do triângulo. Imersos em suas rotinas,
encontram-se: às vezes esquecidos; outras entediados; amedrontados.
Coisas os completavam, mas algo também lhes falta. Há sempre a
falta.
Na vida desse casal colorido os
papéis foram se despregando. “Precisamos renovar” – diz Hanna.
A morte bate a porta. O que ela pode despertar? Um pincel os toca. O
que ele pode despertar?
“Hanna” e “Simon” dizem sim
aos seus desejos, deixam-se pintar e ficam incrivelmente coloridos!
O pincel, que ao pintar também se
colore, se apaixona pelas cores e deseja tê-las por perto. Sofre
quando se vê, novamente, sozinho. Alegra-se ao ter as cores de
volta.
O quadro pintado por Tom Tykwer é
uma tela em branco – um convite de acesso ao imaginário.
O filme fez com que eu pensasse sobre
muitas coisas: o quanto ainda estamos presos a regras sociais – que
definem a questão do gênero (o que é ser um homem e o que é ser
uma mulher), a questão da sexualidade (o que é normal ou anormal);
na importância do outro em nossas vidas (é pelo outro que vemos
nossa beleza refletida, que sentimos os cheiros que exalamos); como
coisas “incrivelmente boas” assustam; como perceber-se, por meio
do outro, assusta; como dizer “adeus” as coisas que, até então,
acreditávamos que nos representavam, assusta; como podemos facilitar
ou dificultar a concretização de nossos desejos e o que porta de
possibilidade um encontro, um desejo, um “sim”.
Uma pele tocada pelo outro, já não
é a mesma pele. Experiências prazerosas podem ser vividas e depois
cair no esquecimento ou podem apenas virar uma marca (cicatriz ou
tatuagem) ou podem proporcionar uma “mudança” de pele. Trocar de
pele é uma escolha pessoal, dolorosa e solitária. Ninguém passa
por uma experiência singularizante sem sentir a dor e a solidão do
processo.
Encontros acontecem e, diante dele
podemos dizer “sim” ou “não” – cedendo ou negando o nosso
desejo. Dizendo “sim” ao desejo podemos viver algo incrivelmente
bom (ou não), podemos ficar ótimos (ou não), podemos refletir e
incorporar as experiências vividas (ou não) e nos transformar por
meio delas (ou não). O “sim” é uma escolha, uma permissão, uma
possibilidade de uma mudança de pele, de mudança de realidade
psíquica – mas só para os que conseguem dizer “adeus” a
conceitos e preconceitos e se colocar nu diante de si, do outro, da
vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário