domingo, 8 de abril de 2012

TRÊS


     Das discussões do grupo de terça (“Cinema e Psicanálise”) pude pensar que se o ser humano se constrói a cada momento, o seu psiquismo acompanha esse movimento, se construindo no processo. Nesse sentido, a realidade psíquica poderia ser resignificada pelas experiências da vida, se assim permitíssemos. Pensando nessa “permissão”, assisti ao filme do diretor alemão Tom Tykwer (com título original Drei – Três – no Brasil divulgado como “Triangulo Amoroso”). No filme três pessoas constroem uma possibilidade única de viver seus afetos, compondo um quadro de rara beleza.


     “Adam” é o topo do triângulo. Na posição de amante, sedutor, distribui afeto, reconhece sutilezas nas pessoas e consegue delas coisas que ninguém mais conseguiria. Cuida de si. Pratica judô, natação, futebol; canta em um coral; desenvolve pesquisa científica, cria vidas. Possui amigos, entre eles uma ex-esposa, um filho e um barco. Vive envolto em tons sóbrios, com poucos adornos – coisa de quem tem dentro de si uma palheta de cores. “Não se preocupe demais” – diz ele a alguém que tenta se entender, se explicar. Coisas o completavam, mas algo lhe falta. Há sempre a falta.
     “Hanna” e “Simon” são os dois outros vértices do triângulo. Imersos em suas rotinas, encontram-se: às vezes esquecidos; outras entediados; amedrontados. Coisas os completavam, mas algo também lhes falta. Há sempre a falta.
      Na vida desse casal colorido os papéis foram se despregando. “Precisamos renovar” – diz Hanna. A morte bate a porta. O que ela pode despertar? Um pincel os toca. O que ele pode despertar?
     “Hanna” e “Simon” dizem sim aos seus desejos, deixam-se pintar e ficam incrivelmente coloridos!
     O pincel, que ao pintar também se colore, se apaixona pelas cores e deseja tê-las por perto. Sofre quando se vê, novamente, sozinho. Alegra-se ao ter as cores de volta.
    O quadro pintado por Tom Tykwer é uma tela em branco – um convite de acesso ao imaginário.
     O filme fez com que eu pensasse sobre muitas coisas: o quanto ainda estamos presos a regras sociais – que definem a questão do gênero (o que é ser um homem e o que é ser uma mulher), a questão da sexualidade (o que é normal ou anormal); na importância do outro em nossas vidas (é pelo outro que vemos nossa beleza refletida, que sentimos os cheiros que exalamos); como coisas “incrivelmente boas” assustam; como perceber-se, por meio do outro, assusta; como dizer “adeus” as coisas que, até então, acreditávamos que nos representavam, assusta; como podemos facilitar ou dificultar a concretização de nossos desejos e o que porta de possibilidade um encontro, um desejo, um “sim”.
     Uma pele tocada pelo outro, já não é a mesma pele. Experiências prazerosas podem ser vividas e depois cair no esquecimento ou podem apenas virar uma marca (cicatriz ou tatuagem) ou podem proporcionar uma “mudança” de pele. Trocar de pele é uma escolha pessoal, dolorosa e solitária. Ninguém passa por uma experiência singularizante sem sentir a dor e a solidão do processo.
     Encontros acontecem e, diante dele podemos dizer “sim” ou “não” – cedendo ou negando o nosso desejo. Dizendo “sim” ao desejo podemos viver algo incrivelmente bom (ou não), podemos ficar ótimos (ou não), podemos refletir e incorporar as experiências vividas (ou não) e nos transformar por meio delas (ou não). O “sim” é uma escolha, uma permissão, uma possibilidade de uma mudança de pele, de mudança de realidade psíquica – mas só para os que conseguem dizer “adeus” a conceitos e preconceitos e se colocar nu diante de si, do outro, da vida. 

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