segunda-feira, 2 de abril de 2012

Mídia e ilusões


       Ao tomar conhecimento de que há, no momento, um projeto de lei que pretende proibir a transmissão de lutas pela TV, com o intuito de resguardar crianças, adolescentes, jovens e até mesmo adultos, de assistir a cenas violentas explícitas, pergunto:
     ─ Por que será que existem pessoas que procuram as MMA (Mixed Martial Arts) – combates de vale-tudo? Por que as academias estão implantando esta modalidade e o público tem aderido? Por que tem gente que liga a TV para assistir?


       ─ Na mesma linha de raciocínio, por que tem gente que cria videogames violentos e tem gente que joga?
        ─ Por que tem gente que faz festas com seus fetiches e tem gente que as freqüenta?
         De certa forma, penso que o mundo está muito melhor.
       Acho complicada a idéia de que a divulgação, a oferta e a propaganda são as “causadoras” do interesse das pessoas. Ao contrário, podemos pensar que primeiro alguém quis fazer de seus desejos ou fantasias algo compartilhável. Por exemplo, imaginemos uma pessoa que experimentava sua agressividade solta, desprendida, circulando dentro de si, sabendo que ela poderia eclodir a qualquer momento, tanto sobre ela mesma ou sobre algum outro. Essa pessoa resolve procurar alguém que tope a parada, num vale-tudo. Pronto. Aí está o MMA e duas pessoas que consentem no exercício da agressividade.
     Isso será um problema? Afastando-me um pouco das idéias prontas, pergunto-me se não será mais saudável. Explico: quando uma pessoa tem a oportunidade de inscrever sua agressividade numa atividade (como no vale-tudo), sua agressividade fica menos exposta a ser usada em qualquer um, a qualquer momento.
        Somos humanos. Não somos anjos. Há quem porte essa agressividade de uma maneira muito intensa, muito desordenada, muito sofrida para si e para os outros. Geralmente quem a tem nessa intensidade, acaba exercendo-a sobre o outro de uma maneira bem cruel. Curiosamente, ela pode ser exercida de maneira explícita (no trânsito, nos cargos de poder, nas relações amorosas e familiares) ou de maneira velada, travestida de boas intenções.
       Há quem a inscreva, reconhecendo-a, fazendo com ela, por exemplo, um vale-tudo consentido pelo parceiro. Há quem, assistindo, seja de perto ou pela TV, experimenta uma catarse da própria violência que o habita.
       Nessa mesma direção podemos pensar os videogames, os sites eróticos da internet, as casas de fetiches.
       A mídia vem depois. Ela vem mostrar que isso existe. Proibir a mídia de expor é algo problemático. É recusar a existência, a priori, de desejos e fantasias que nos habitam, em menor ou maior grau. É querer que a violência ou os desejos sejam mais intensos ainda – em sua negação – que as fantasias se alimentem ainda mais – em seu silêncio – que aqueles que as portam sofram mais, sintam-se mais excluídos, menos humanos.
      Lutas, jogos, sites, casas de diversão são criações que podem dar um lugar àquilo que excede, que envergonha, que oprime um ser humano.
    A mídia é espelho muito mais que mecanismo indutor das experiências humanas.


Elisabeth Almeida- psicanalista
bethxxxalm@yahoo.com.br

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