segunda-feira, 12 de março de 2012

Quando o amor perde o rumo



          Reproduzo aqui um dos comentários recebidos a partir do tema tratado nas duas colunas anteriores: “Quem disse que eu quero ser salvo?” e “Devo intervir na vida dela?”. Nele, a leitora apresenta suas perguntas e observações: “Como podemos estar diante de uma pessoa que amamos e que a olhos vistos prejudica sua própria vida, seus filhos e as pessoas que com ela convivem? Como respeitar seu desejo de que talvez não queira mesmo ser ajudada? Acredito não poder desistir de quem amo e simplesmente lavar as mãos diante de situações que pedem intervenção. Tenho a compreensão de que nada podemos fazer em relação a uma pessoa que não quer se ajudada”. E acrescenta: “Respeita-se o desejo da pessoa querida e fica-se de expectador da destruição de sua própria vida? Penso em minha dificuldade em suportar isso”.
          Trabalharei por partes:
  1. Há uma pessoa que eu amo (ou mais pessoas).
  2. Acredito não poder desistir de quem amo.
  3. Tenho a compreensão de que nada posso fazer em relação a uma pessoa que não quer ser ajudada.
  4. Respeito o desejo da pessoa querida e fico de expectador da destruição de sua própria vida?
  5. Tenho dificuldade em suportar isso.
          Inicio pelo final. Sim, é muito difícil suportar que alguém que amamos esteja se destruindo. Esta talvez seja a questão mais delicada que se apresenta neste contexto. A idéia de que suportar isso é simplesmente “lavar as mãos” ou “ficar como expectador da destruição de uma vida” é uma idéia complicada. Explico: sempre vai haver uma distância entre a minha percepção de que alguém está se destruindo e a percepção que esta pessoa tem da sua própria vida.
          Não estou me referindo a “percepções certas” ou “percepções erradas”. Estou me referindo à distância que existe entre o que eu percebo e o que o outro percebe. Este problema poderia facilmente ser resolvido lançando mão de argumentos tais como “isso é certo” e “aquilo é errado”. Poderia, mas não resolve. Os grandes impasses pessoais não são resolvidos pelos conceitos de “certo” ou “errado”. Eles permanecem intactos apesar desses conceitos. Ou seja, há algo mais forte que essas racionalizações que incluem: “isso é bom”, “aquilo não é bom”, “faz mal” e “não faz mal”.
           Não acredito que o reconhecimento de que os impasses são imunes a esses conceitos seja sinônimo de “lavar as mãos” ou ficar como “expectador”. Ao contrário, acredito que é um primeiro e grande passo reconhecer que há algo no outro que escapa a mim. “Escapa” no sentido de que está fora da minha intervenção, no sentido de que o outro é profundamente diferente de mim, ele é um outro, não é um espelho meu.
           Acredito que o amor perde o rumo quando amar significa moldar o outro aos meus conceitos, moldar o outro à minha angústia, em última instância. O amor perde o rumo quando eu tomo atitudes com o outro para que eu não me sinta culpada depois (depois do pior acontecer). Nesse sentido, penso que o “lavar as mãos” seja justamente isso, fazer o que eu acho que devo fazer, intervir. Porque depois, depois que eu fiz o que eu achava que deveria ter feito, eu penso que posso dormir tranqüila, porque se acontecer o pior eu fiz a minha parte. Então, é muito mais uma questão de tranqüilizar a minha consciência do que propriamente “ajudar” o outro.
           Prossigo aqui com um outro comentário recebido onde o destaque é que as colocações que faço “são diferentes do que se diz geralmente em relação à essas questões”. Sim, são colocações que vão na contra-mão do senso comum e também na contra-mão dos dispositivos que nos cercam. Eu pergunto: de que nos serve o senso comum, de que nos servem os dispositivos quando, diante dos impasses que as situações humanas nos apresentam, nos vemos desprovidos de respostas e de receitas apesar de todas as recomendações?
          De que nos servem o senso comum e os dispositivos quando nos vemos seguindo os passos já marcados e caindo em um buraco de situações “irresolvíveis”?
          Reitero: os impasses se apresentam. Tanto na nossa vida pessoal, quanto na vida daqueles que amamos.
          Como responder a eles fora da angústia que me leva a formatar minha vida e/ou a vida do outro?
         Como responder a eles sem “lavar as mãos”? Sem fazer de minha resposta um alívio para minha consciência?

Elisabeth Almeida – psicanalista
bethxxxalm@yahoo.com.br

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