domingo, 12 de fevereiro de 2012

Quem te disse que eu quero ser salvo?

          Desenvolverei, numa seqüência de artigos, o problema que apresento como: “Quem te disse que eu quero ser salvo?” – incluindo nesta proposta “ser salvo”, “ser curado”, “ser ajudado”. Esse tema surgiu a partir das intervenções recentes realizadas na cracolândia, em São Paulo.
           Sei que, de início, parece um disparate colocar uma questão assim. Parece, mas não é. Parece, se pensarmos que somos sujeitos que apenas desejam o próprio bem, sujeitos bons, que querem o melhor, sensatos, controlados e controláveis.
           Isso se complica se admitirmos que sim, há uma realidade do mundo, no entanto, há também uma outra realidade: a realidade psíquica – que não funciona segundo os mesmos princípios. Se quisermos ignorar a realidade psíquica, aí sim podemos dizer que os controles – tanto os determinados por mim, quanto os determinados pelo outro – funcionam.
           Se quisermos ignorar a realidade psíquica podemos acreditar em “desenvolvimento do auto-controle”, em “aprendizagem de novas formas de lidar com a vida”, podemos acreditar que controlamos alguém, que adestramos: filhos, parceiros, alunos, pacientes ou funcionários.
          Todas essas “ferramentas” difundidas e aplicadas em nossa época, sob a crença inclusive de terem respaldo “científico” – respaldo esse que muitas vezes está contido num livro de auto-ajuda, numa reportagem do Fantástico, numa capa de revista, na fala de um “famoso” – desconsideram a realidade psíquica, que eu estou sublinhando.
          Tomo como exemplo as intervenções realizadas na cracolândia, em São Paulo, por considerá-las apenas um recorte que está sendo exibido pela mídia e discutido; por considerar que há cracolândias em todos os lugares; por considerar “cracolândia” apenas um nome que agrupa uma série de problemas, bastante graves, tanto de ordem individual, quanto social.
          A partir daí penso que podemos refletir sobre questões tais como: liberdade, espaço público, intervenção na vida do outro pela via da força – seja ela policial, médica, medicamentosa – sugestiva ou travestida de boas intenções, de compaixão ou de bondade.
          Tomo como desafio a pergunta: “quem te disse que eu quero ser salvo?”, sem excluir que existam sim pessoas que querem ser salvas, que existam pessoas que peçam ajuda e sobre elas falarei em artigos posteriores.
          Desenvolverei, na próxima semana, alguns aspectos da realidade psíquica, tentando esclarecer melhor essa diferença: realidade do mundo/realidade psíquica.
          Gostaria de convidar o leitor a enviar perguntas por email. Seria muito interessante desenvolver essa temática a partir de questões que surgissem por meio de uma conversa com o leitor.

Elisabeth Almeida – psicanalista
bethxxxalm@yahoo.com.br

Um comentário:

  1. Beth querida,seus textos sempre me fascinam,mas não posso deixar de questionar como podemos estar diante de uma pessoa que amamos e que a olhos vistos prejudica sua própria vida,seus filhos e pessoas que com ela convivem.Falo em questões de saude,em filhos que são educados sem a presença da mãe que está envolvida em drogas.Como respeitar seu desejo que talvez não queira mesmo ser ajudada?Acredito não poder desistir de quem amamos e simplesmente lavar as mãos diante de situações que pedem intervenção.
    Tenho ainda a compreensão de que nada podemos fazer em relação a uma pessoa que não quer ser ajudada,então minha pergunta:respeita-se o desejo da pessoa querida e fica-se de espectador da destruição de sua própria vida? Penso na minha dificuldade em suportar isso.
    Um grande beijo e saudade,
    Lívia

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